Colaboração, Trabalho em equipe e as Tecnologias de Comunicação:
Relações de Proximidade  em Cursos de Pós-Graduação.

CAPÍTULO V

CONSTATAÇÕES, PERSPECTIVAS, E PROPOSIÇÕES

Na discussão sobre o papel das tecnologias de comunicação como otimizadoras de ações colaborativas para um ensino de melhor qualidade nas instituições de Ensino Superior, delineio, neste capítulo, algumas constatações, vislumbro algumas perspectivas, faço algumas recomendações e encaminho proposições para que essas instituições se aperfeiçõem como espaço onde a aprendizagem ocorre de fato.

5.1 Constatações

Desde a minha primeira experiência como docente no Ensino Superior, vislumbrei que a heterogeneidade de conhecimentos e vivências em diferentes áreas de conhecimento permitiriam uma experiência colaborativa rica para todos os participantes. As perspectivas de enfoque e análise das questões propostas seriam múltiplas, variadas, multifacetadas.

O discurso mais consciente desvelado em respostas a questionários-diagnóstico e nos debates em sala de aula, muitas vezes, não se mostrou tão coerente com a prática dos alunos - enquanto professores no Ensino Médio e no Ensino Superior, demonstrada nas atividades pedagógicas desenvolvidas ao longo dos cursos. O questionário-diagnóstico serviu para que eu pudesse ter um certo perfil dos alunos no momento em que iniciava cada curso enquanto os debates e a produção escrita e oral em sala de aula permitiam-me acompanhar como esse perfil se mantinha ou se revelava paradoxal no decorrer do curso. Tais contradições oferecem, assim, um campo fértil para a pesquisa sobre as relações que esses profissionais constróem em relação à Educação, Comunicação e Tecnologia e a conseqüente prática no seu campo de trabalho no Ensino.

Tanto na época de sua aplicação quanto na análise para esta pesquisa, pude observar mudanças no comportamento e na produção individual de alguns alunos, constatando o que GRANOT e GARDNER (1995) afirmam sobre a interação colaborativa e os seus reflexos nas atitudes e até mesmo no comportamento dos colaboradores. As atitudes e a prática vão se modificando mais rapidamente do que as crenças, assim se cessarem as condições de demanda, estimulação ou motivação, a prática pode voltar a responder às crenças mais profundas arraigadas e ainda não modificadas. Todavia, enquanto esses alunos desejarem, as mudanças na prática pedagógica docente e as inter-relações com seus professores, com seus pares e com seu alunos acontecem indicando não só um aperfeiçoamento cognitivo como um amadurecimento emocional/afetivo.

Um outro fator que constatei ser fundamental para a melhoria da produção de cada equipe foi a avaliação de cada trabalho feita pelos outras equipes e por mim a partir de uma postura colaborativa. Não foram trabalhos apenas apresentados, comentados e esquecidos. Foram pequenos projetos que serviram de referência para cada nova apresentação, que, comentados construtivamente, foram apresentados a outros professores do curso e alguns deles contribuíram efetivamente para as apresentações seguintes e viriam a servir como exemplo em cursos de formação de professores e incorporados à prática pedagógica nas atuações em campo desses alunos ou ao desenvolvimento de suas dissertações de mestrado.

Em relação às tecnologias de informação e de comunicação, transformaram-se de simples recursos de apoio em mediadores nas relações interpessoais e na construção do conhecimento e, mais ainda, em tecnologias colaborativas. Não me refiro, aqui, apenas às tecnologias de computação, mas também às antigas tecnologias de comunicação já existentes nas antigas salas de aula, Refiro-me- desde o quadro-negro (usado por alunos e professores ou por cientistas no desenvolvimento de teoremas ou de discussões filosóficas ao programa videográfico construído por uma professora com uma equipe especializada e com seus alunos para ser usado na capacitação de professores em regiões que não tenham um curso presencial nem redes de computadores disponíveis). Refiro-me, ainda, às cartas trocadas por correio ou aos facsímiles de professores que ainda não têm condições de se utilizarem do correio eletrônico no planejamento e no acompanhamento de projetos colaborativos entre diferentes instituições em diferentes cidades, estados e, até, mesmo países.

Outra constatação é a que o presencial e a distância são dimensões secundárias no processo ensino e aprendizagem com a utilização das tecnologias de comunicação na prática colaborativa, participativa e interativa. O fundamental é a relação interpessoal de proximidade que se estabelece não só entre ensinantes como, de forma surpreendente, entre ensinantes e aprendizes em todas as possíveis direções. Ora professor ensina e aprendiz aprende, ora as relações se invertem, e aprendiz assume a função de ensinante em colaborações temporárias. As tecnologias colaborativas funcionam como otimizadores dessas relações facilitando a velocidade e o imediatismo dos contatos.

Em relação ao ambiente - propício ou não à prática colaborativa - um dos resultados conseguidos nesta minha pesquisa foi perceber no âmbito de várias instituições de Ensino Superior, com características diversas, que há necessidade de um trabalho muito profundo para que as instituições de Ensino Superior se tornem de fato, em todos as áreas, organizações de aprendizagem. O caminho para se aprofundar suas características como organizações onde a aprendizagem ocorra de fato e possa daí ser transferida para outras instituições na sociedade é longo e o processo lento. Cabe a cada diretor de departamento, a cada coordenador de curso, a cada professor iniciar os primeiros passos no seu âmbito de atuação para que se chegue em conjunto a um objetivo geral.

Nas minhas leituras, análises e reflexões, acabei por concordar com os que sugerem esses primeiros passos para o setor empresarial e creio que são os mesmos para as instituições educacionais, a saber: promover um ambiente que conduza à aprendizagem - como processo de transformação que envolve conhecimento, habilidade e atitudes do indivíduo - com tempo para a reflexão e análise, para dissecar tanto as necessidades dos alunos e professores quanto da sociedade onde se inserem como profissionais e cidadãos e para avaliar os sistemas de ensino e pesquisa em uso e inventar novas técnicas e novas abordagens que promovam a aprendizagem. A aprendizagem colaborativa, o desenvolvimento de habilidades e novas competências e a socialização de conhecimento é incompatível com o sistema de monopólio do conhecimento e a sua concentração nas mãos de alguns poucos.

Muitos de meus colegas poderão pensar que é uma heresia querer aplicar regras que são boas para a indústria e o comércio à Educação, principalmente, no crepúsculo de uma sociedade ainda marcadamente industrial e no alvorecer da tão decantada sociedade de Comunicação. Porém, o que minha experiência e esta pesquisa demonstraram foi que algumas instituições de Ensino Superior não apresentam um ambiente propício para a aprendizagem e para a construção e socialização de novos conhecimentos. Entre os indicadores desta constatação, mais forte em uma das instituições estudadas, coloco fatos como:

A todas essas constatações, acrescento a relacionada aos ambientes em que as disciplinas foram ministradas. Em uma das instituições não era propício, ao contrário, dificultava a prática colaborativa entre professores e alunos, entre pares e entre especialistas convidados e professores da instituição. Ainda assim, a prática colaborativa ocorreu entre aqueles que de fato já incorporavam crenças, atitudes e competências necessárias à colaboração ou entre aqueles abertos à aprender e desenvolver novas crenças, atitudes e competências. À medida que desenvolvíamos as nossas ações, tentávamos agir sobre esse ambiente, modificando-o na medida das nossas possibilidades (trazendo nosso próprio equipamento, alterando o lay-out durante nossos encontros), e estudá-lo em relação às suas deficiências.

A esse ambiente, contrapôs-se o da outra instituição que no primeiros módulos (mencionados neste trabalho) ofereceu uma infra-estrutura adequada para o desenvolvimento daqueles módulos, não só em termos de equipamento e espaço como de pessoal de apoio. O desenvolvimento dos trabalhos com as alunas nessa instituição foi significativamente mais dinâmico e a incorporação de novos conceitos, o repensar de velhos conceitos e a discussão das inter-relações da educação, tecnologia e comunicação se refletiram nos trabalhos finais dessas alunas.

Enfim, o resultado de alguns trabalhos de muito bom nível demonstram que houve um ensino de boa qualidade quando, em paralelo com o desejo, a vontade e o esforço, a ação colaborativa ocorreu e, dentro desse paradigma, quando houve a utilização das tecnologias, essa ação foi de fato otimizada e a prática foi incorporada na ação do docente com seus alunos em suas salas de aula.

5.2 Perspectivas

Através desse trabalho colaborativo desenvolvido com meus alunos e com meus colegas pude vislumbrar que mudanças significativas estão acontecendo em algumas instituições, quer por iniciativa de coordenadores, quer por iniciativa individual de professores de graduação e pós-graduação. Há um movimento de repensar o Ensino Superior como tempo e espaço de trabalho, aprendizagem, pesquisa e construção de conhecimento segundo o prisma da colaboração mútua e do desenvolvimento de uma inteligência coletiva que valoriza o indivíduo em consonância com a comunidade da qual faz parte.

O papel do professor muda de forma significativa. De mero distribuidor de informação, o professor passa a ser solicitado como coordenador de equipe de trabalho: orientando o planejamento, acompanhando e "controlando" o desenvolvimento para que tanto as correções quanto as atualizações ocorram em tempo hábil e para que as alterações sejam eficientes. A retro-alimentação da equipe com avaliações contínuas e finais através de diálogos individuais, de reflexões em grupo e de estudos dirigidos é outra ação essencial do professor neste novo contexto.

Nesse mesmo contexto, as tecnologias de informação e de comunicação são encaradas como tecnologias didáticas colaborativas. Os audiovisuais, a multimídia e a telemática se tornam otimizadoras das relações interpessoais no processo de ensino e aprendizagem, de construção e divulgação do conhecimento.

Tanto essas tecnologias como o trabalho em equipe sob a liderança do professor (como membro ativo da equipe) ainda estão para serem descobertos de fato pelos docentes no Ensino Superior.

A partir das dificuldades enfrentadas durante esta pesquisa e redação da tese, recomendo a meus colegas pesquisadores a prática de documentação através de relatórios constantes impressos bem como através de áudio e videogravação das ações cotidianas, quer as situações de conflito ou de dificuldades quer as ações de sucesso. Essa documentação pode ser utilizada tanto para uma análise conjunta seguida de reflexão quanto de matéria-prima para futuros projetos sobre o processo de ensino aprendizagem.

Como a utilização das tecnologias didáticas colaborativas otimizam sobremaneira as ações colaborativas entre alunos, professores e outros pesquisadores na Pós-Graduação, devem ser utilizadas sempre que existentes e disponíveis na instiuição otimizando a comunicação tanto presencialmente, quanto à distância.

A prática da ação colaborativa deve ser uma constante nos cursos de Pós-Graduação. O crescimento individual e coletivo é significativamente maior. Ainda que seja mais trabalhoso e envolva mais horas de trabalho e dedicação do docente – e em decorrência dos alunos – os resultados compensam. Os alunos passam a participar mais e se sentem parte integrante da comunidade acadêmica.

5.3 Proposições

Ao concluir esta tese, encaminho como proposição de trabalho junto à comunidade acadêmica, a necessidade de se desenvolver uma intensa ação colaborativa no desenvolvimento das disciplinas para a obtenção dos créditos necessários, de se criarem equipes de trabalho nos cursos de Pós-Graduação na área da Educação em que, além de uma reflexão constante, se amplie a participação dos alunos de pós-graduação na cultura acadêmica com a utilização das tecnologias como otimizadoras de sua ação e mediadoras de sua reflexão. Uma participação que vá para além dos encontros temporários que alunos e professores têm durante o período de cada disciplina, , quer através de artigos impressos, quer com artigos divulgados na WWW. Que se consolide em projetos colaborativos com contribuições significativas no âmbito de novas abordagens educacionais e na implementação das tecnologias de informação e de comunicação como tecnologias didáticas colaborativas. Projetos que envolvam aprendizagem continua e colaboração, com certeza dinamizarão, a atividade acadêmica e contribuirão para a transformação de professores e alunos em agentes colaborativos de um projeto maior de reconstrução da Universidade como instituição de aprendizagem - que facilita a aprendizagem de todos os seus integrantes e que se transforma continuamente. Vivemos em tempos de mudanças rápidas e constantes que exigem um processo cognitivo e intersubjetivo, que construa novos saberes relacionados a essas mudanças e que, se necessário, redefina situações até mesmo com medidas radicais temporárias ou definitivas. Esta ação colaborativa deve ainda estar comprometida com a Universidade enquanto centro de pesquisa e de construção de conhecimento com uma perspectiva de socialização do conhecimento que vai alimentar a reconstrução de uma sociedade mais humana, mais justa e mais igualitária.
 

Autora: Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo
Colaboração, Trabalho em equipe e as Tecnologias de Comunicação: Relações de Proximidade  em Cursos de Pós-Graduação. Tese de Doutorado - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2000. 
Orientadora: Profa. Dra. Vani Moreira Kenski .


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