COLABORAÇÃO E METÁFORAS COLABORATIVAS
"Se as pessoas podem compartilhar abertamente com os outros suas experiências, premissas e crenças em relação às suas expectativas do que iria acontecer ( o que o projeto objetivava produzir) e o que realmente aconteceu (os resultados da experimentação conjunta) a discrepância entre as duas pode ser percebida e, de forma confiável compreendida. Esse processo pode favorecer a percepção comum da natureza da questão e, se registrado em alguma forma de memória do grupo, pode dar informações aos futuros projetos colaborativos" (Ryan, 1996:145).
A colaboração é
a base de uma parceria sólida e produtiva e ambas são essenciais
para a realização de um projeto onde se espera uma construção
conjunta em qualquer atividade humana. Assim, na educação
escolar, a colaboração também é fundamental,
e deve estar presente na parceria entre professores, entre professores
e alunos e entre alunos e alunos.
Para caracterizar melhor o que entendo por colaboração, busquei dialogar com alguns estudiosos, com meus pares e alunos. Todas essas contribuições estão de alguma forma explicitadas neste texto.
2.1 Colaboração - conversa com os especialistas
Chamo conversa porque na verdade a leitura dos poucos textos encontrados sobre colaboração não foi uma leitura de absorção do que estava escrito, mas um diálogo, entremeado por pausas e buscas de outros textos ou de retorno a parágrafos já lidos no mesmo texto. Uso conversa, pois era como se os autores estivessem me respondendo a algumas de minhas questões ou formulando-me perguntas que me obrigavam a refletir e buscar a respostas em outros textos.
Constatei que ao mesmo tempo que HALL (apud SCHRAGE,1995:37) afirma que "há uma atração natural para colaborar. Talvez seja um dos princípios básicos da vida em substância", SCHRAGE comenta que a o pensamento intelectual ocidental parece não considerar a colaboração como um comportamento criador vital.
Em VYGOTSKY (1991) a colaboração é uma espécie de catalizador para que as crianças desenvolvam a capacidade de raciocínio ao usar com seus colegas e com o adulto, técnicas e estratégias de raciocínio ao solucionarem em conjunto algum problema, posto que o "curso do desenvolvimento do pensamento vai do social para o individual" (VYGOTSKY, 1991:18). As interações colaborativas podem contribuir para o desenvolvimento de processos cognitivos de seus participantes. Estes, ao interagirem de forma colaborativa, fazem negociações, compartilham materiais, produtos, observações, conhecimento anterior, desenvolvem uma construção conjunta do conhecimento.
Para desenvolvermos uma colaboração, temos que criar e manter relações que incluam interesses pessoais e sociais comuns entre nós e os demais parceiros que compõem uma densa teia de conexões interpessoais que, por sua vez, pode mesmo gerar outros projetos previstos.
Alguns critérios são básicos para o processo de que a colaboração se concretize em um projeto conjunto, a saber, entendimento pessoal, compatibilidade filosófica e visão compartilhada. O entendimento pessoal, que podemos conseguir através da auto-análise, se realiza quando cada participante se avalia e percebe o que pode oferecer e do que precisa, ao estabelecer o compromisso de colaboração. A compatibilidade filosófica engloba a confiança e os sentimentos que "alavancam ou neutralizam " um relacionamento pessoal e transcendem a realização de um projeto podendo ser determinantes em momentos de tensão. Confiança, respeito, interesse e comprometimentos são tão essenciais quanto a visão compartilhada, isto é, compatibilidade de valores e princípios comuns, perspectivas para o futuro, experiências semelhantes ou complementares e quase nenhum motivo de conflito. As parcerias colaborativas são sistemas vivos e podem, dependendo das circunstâncias crescer e desenvolver-se ou minguar e fracassar (KANTER (1994: 96-108). Depende de nós, seus participantes.
As regras de colaboração que devem ser seguidas para que a colaboração seja efetiva e a parceria seja bem sucedida podem ser diferentes para autores que estudam a colaboração e a parceria no campo dos negócios (SCHRAGE, 1990, KANTER, 1994:96-108), mas servem de referência para as que tratarei aqui no campo educacional e envolvem elementos como competência, objetivos comuns, espaço de criação, interdependência, integridade, diferentes formas de representação, investimento, jogo de representações, comunicação constante, integração, ambientes formais e informais, limites de responsabilidade bem definidos, divergência e argumentação, tecnologias e trabalho a distância, assistência externa, bem como o fim de uma colaboração.
As considerações sobre essas regras serviram de referências para a análise dos projetos estudados no capítulo IV.
Competência. A colaboração se dá quando os participantes de um projeto ou de uma ação coletiva compõem uma rede cujas inter-relações dependem de que cada um tenha alguma competência em relação ao trabalho que se vai desenvolver. Não se espera que a competência de todos seja a mesma nas mesmas áreas; ao contrário. É importante que as competências se complementem e que cada participante se enriqueça a partir da competência do outro. Cada um deve trazer uma contribuição significativa para a relação. E entendemos aqui competência nas mais diversas áreas e níveis – quer no aspecto formal, quer no aspecto de conteúdo.
Objetivos comuns. Para a colaboração se concretizar outro fator indispensável é que os participantes da ação tenham objetivos comuns. Na verdade, cada participante tem seus objetivos de longo prazo, próprios aos seus projetos individuais, mas há aqueles com os quais os objetivos do projeto coletivo se interrelacionam. Esta é uma questão de fundamental importância, pois se os objetivos são diversos, pode não se chegar a nenhuma construção significativa.
Interdependência. Para que a colaboração ocorra de fato, a dependência não pode ser unilateral. Todos os participantes precisam de todos, já que cada um traz valores, competências e habilidades próprios que contribuirão para o funcionamento eficaz do todo. Em um projeto colaborativo, cada parte do trabalho pode ser desenvolvida por um ou mais indivíduos, em consonância com o todo. De modo que, à medida que o projeto for sendo desenvolvido, as partes vão se integrando para a consecução final do mesmo. A interdependência desenvolve um sentido de responsabilidade do indivíduo em relação ao coletivo em que ele está inserido pois falhando uma parte, o todo sofrerá seus reflexos. Não é uma justaposição de resultados, mas uma conjunção constante de resultados que desencadeiam novas procuras e , muitas vezes, implicam em reorientações e relocações. Naturalmente, este fator não só supõe, mas reforça o espírito de responsabilidade individual e do grupo.
Limites de responsabilidade bem definidos. Sem funcionar como camisa de força, os projetos colaborativos precisam contar com a definição de papeis e das responsabilidades individuais. Se há uma interdependência entre as fases, entre as partes, entre as diversas funções para a realização do projeto, é fundamental que cada um saiba exatamente qual é o seu papel e qual é a sua responsabilidade; o que esses limites permitem e quais são os eventuais benefícios ou prejuízos inerentes a essas funções e responsabilidades. O conhecimento e a consciência de seu papel e da sua responsabilidade é essencial para a realização colaborativa. Mas só a responsabilidade individual não é suficiente. Faz-se necessária a integridade individual que se projetará na integridade do grupo.
Integridade. Respeito mútuo, tolerância e confiança são essenciais para a colaboração. Devemos buscar trabalhar com a excelência e não com a fraqueza de cada um. Os participantes devem se comportar de modo a justificar a confiança mútua. Não devem usar as informações conseguidas pelo grupo em proveito próprio e detrimento dos outros, nem buscar enfraquecer ou submeter uns aos outros. Não exigimos que todos participantes tenham amizade ou se estimem, mas é fundamental que se respeitem e trabalhem para o crescimento do grupo. MACHADO2 (1997:80-94) nos lembra que a tolerância se instala a partir do reconhecimento da existência do outro. Ao desejar colaborar como o outro, estou reconhecendo a existência do outro, e esta atitude deve ser acompanhada, também, da minha compreensão da perspectiva do outro, mais ainda, da assimetria que existe entre mim e o outro, da possibilidade de nos comunicarmos apesar de termos nossas características e nossos projetos individuais diversos. E é através dessa tolerância que respeitamos a diversidade e a incorporamos aos nossos trabalhos, investindo nosso tempo, nossa e dedicação na realização de uma ação colaborativa..
Investimento. Se os participantes são indivíduos íntegros, que se respeitam, que se compreendem e que não se consideram uns melhores do que outros, o investimento de cada um será proporcional ao do outro. E investimento, aqui, se entende por tempo, dedicação e comprometimento. A fala deve ser espontânea e simultânea, isto é, ouvir e falar. Saber falar, mas, sobretudo, saber ouvir. Conjecturar, argumentar, refletir com veemência e segurança são atitudes essenciais. Ao mesmo tempo, saber considerar os contra-argumentos, as demonstrações e as reflexões dos outros participantes, incorporá-las quando procedentes e reconhecer que as suas convicções naquele momento não são as mais apropriadas. Isso é investir na relação com integridade. Investimento este que tem como um de seus valores a informação.
Informação. Os participantes devem manter um fluxo simétrico de ação e informação constante, de modo que não haja apenas a contribuição com informação de apenas um dos participantes. A informação precisa ser discutida, analisada, processada pelo grupo que a transformara em conhecimento enriquecedor da ação colaborativa que o grupo estiver realizando. E informação, aqui, se refere não só aos dados técnicos, como tudo o que seja pertinente ao trabalho conjunto, até mesmo o conhecimento de conflitos. A antecipação de zonas de divergências, de obstáculos a serem contornados ou vencidos, de dificuldades imprevisíveis é informação fundamental para o planejamento e replanejamento de ações colaborativas.
Divergência e argumentação. A unanimidade não é uma característica positiva em uma ação colaborativa. Na verdade, da divergência e da argumentação, de uma dialética consciente podem nascer produtos ricos e significativos para cada um dos participantes. O fundamental é que a divergência seja considerada, que gere investigação, pesquisa, argumentação e contra-argumentação consubstanciada. Desse processo podem resultar novas ações ou produtos mais consistentes com os objetivos a serem alcançados. Dessa forma não haverá desintegração do grupo de participantes colaborativos.
Integração. Uma vez que os parceiros constróem amplas conexões entre si e desenvolvem tanto formas de trabalho interligadas como compartilhamento de informações e de seus conhecimentos específicos, tornam-se professores e alunos uns dos outros. Assim, toda a ação colaborativa, todo o projeto se desenvolve de forma integrada. Isso é fundamental para o bom andamento do projeto, pois a ausência inesperada, de qualquer um de seus integrantes pode, momentaneamente, ser minimizada com a contribuição dos demais por estarem integrados e, não só o projeto continua sendo realizado, como ao retornar, esse integrante será informado do andamento do projeto durante a sua ausência, podendo reintegrar-se sem problemas com sua competência e especificidade de participação colaborativa.
Comunicação. Essencial, nos projetos colaborativos, é a comunicação que se instala entre os parceiros. A comunicação que se dá através das mais diferentes representações têm que ser contínua sem que, necessariamente, seja constante e o tempo todo. A comunicação, como uma via de múltiplas entradas, permite que as construções pessoais sejam enriquecidas com as contribuições dos outros e que aquela integração esperada aconteça e que a interdependência seja mantida e todo o processo seja realimentado. Em projetos cuja comunicação é descontinua e superficial, as redundâncias e as ausências são muito constantes e o resultado não é o desejado. Essa constante comunicação pode ainda facilitar a criação se acontecer em espaços colaborativos.
Espaço de criação. Scrhager (1990) enfatiza a necessidade de se ter um espaço para a colaboração. Um espaço que servirá "como modelo e como mapa ...O espaço compartilhado serve como um teste de autenticidade para o ato da colaboração". Por exemplo, se a colaboração é a escritura de um livro, então o planejamento do livro é o espaço compartilhado, é ao mesmo tempo a instância que certificará que as competências de cada um somarão um todo muito mais significativo. É um espaço de manipulação da ambigüidade, de criação, de experimentação, de interação e de integração dos participantes da ação colaborativa. Um espaço em que cada um poderá trabalhar e criar com diferentes representações.
Diferentes formas de representação. Lingüística, visual, matemática, digital, as mais diversas representações são necessárias no desenvolvimento de uma ação colaborativa, em um projeto, em uma parceria. No espaço de criação, é muito importante que as pessoas joguem com vários tipos de representações. Muitas vezes, ao tentarmos solucionar um problema ou desenvolver uma tarefa a partir de uma representação verbal não chegamos a um bom resultado, mas ao usarmos um outro tipo de representação a solução aparece como de imediato. SNOW (1994:7) comenta que
Ambientes formais e informais. A ação colaborativa não é uma ação que se desenvolva apenas em ambientes escolares ou empresariais. Espera-se que toda a atividade social, na família, na escola, na igreja, na sociedade, como um todo, tenha a marca da colaboração. Dessa forma, os projetos colaborativos devem prever seu desenvolvimento tanto em ambientes formais como em não formais. O importante é que homens e mulheres tenham aprendido a expandir suas habilidades em resolver problemas, criar situações de uma vivência harmoniosa e mais humana colaborativamente. Os projetos desenvolvidos em ambiente escolar não devem ser desconectados da realidade em que nós, seus participantes, vivemos. Uma via de mão dupla permite que tragamos, da realidade externa à escola, elementos para o projeto e que resultados ou descobertas encontrados nesses projetos se revertam para aquela realidade. E cada vez mais essa mão dupla se instala sem se preocupar com as barreiras da distância que podem ser vencidas pela tecnologia.
Tecnologias e trabalho a distância. As novas tecnologias computacionais interativas (como a telemática) permitem que homens e mulheres desenvolvam colaborações mútuas mesmo estando distantes espacialmente. Como vimos, o conceito de proximidade transformou-se profundamente durante todo o século XX. O telefone, o fax, os serviços de entrega de correspondência e SEDEX do correio regular já há muito permitem a colaboração a distância e, neste final de século, as redes eletrônicas se expandiram a tal proporção criando o ciberespaço,
Assistência externa. Assim como as competências individuais não se substituem e não são, isoladas, suficientes para que alcancemos alguns objetivos comuns, muitas vezes, faz-se necessária a participação de especialistas para a resolução de determinados entraves ou questões intrincadas. SCHRAGE (1995) enfatiza que colaboradores bem sucedidos constantemente solicitam informações e ajuda externa aos participantes do projeto. Ao tentarmos resolver todas as questões e dificuldades internas na tentativa de sermos auto-suficiente, podemos desviar esforços de áreas cuja atuação de cada um de nós é de fato efetiva e eficaz.
2.1.2 Colaboração , Interação e Aprendizagem
Quanto maior e mais intensa a participação colaborativa interativa em um projeto maior o desenvolvimento do conhecimento naquele específico domínio, já que acreditamos que as interações colaborativas afetam, influenciam e desenvolvem não só os processos cognitivos como também o conhecimento relacionado com a área trabalhada. Se a colaboração é mútua então há uma construção conjunta e os processos simétricos de desenvolvimento são equilibrados. Se a competência de um dos participantes é grande, as interações altamente colaborativas de outros participantes com ele podem acelerar o crescimento cognitivo em sintonia com suas necessidades e nível de compreensão (GRANOT & GARDNER, 1994: 179-187)
A interdependência, o sentido de responsabilidade perante o grupo e as habilidades sociais e interpessoais devem merecer uma atenção especial daqueles que desejam desenvolver a aprendizagem colaborativa, que para KAYE (1994:9-21) pode ser "a aquisição por parte dos indivíduos de conhecimento, habilidade ou atitudes que são o resultado de uma interação do grupo, ou dito mais claramente, uma aprendizagem individual como resultado de um processo de grupo (KAYE, 1992 apud KAYE, 1994:9-21).
CROOK (1996) enfatiza a importância que o conhecimento socialmente compartilhado tem para a aprendizagem. As interações colaborativas podem concorrer para a construção de conhecimento compartilhado e desenvolvimento da intersubjetividade, compreendida aqui como a "capacidade de ter afeto e emoção com os outros" (primária) e "de preocupar-se em estabelecer com os outros uma referência compartilhada com relação a objetos e circunstâncias externas" (secundária) ( CROOK, 1996:226).
É certo que GRANOT e GARDNER, assim como CROOK, fazem essas afirmações em relação ao desenvolvimento de crianças, entretanto, creio que posso expandir essas descobertas também para o relacionamento entre adultos, a partir de observação das interações colaborativas desenvolvidas durante os cursos que realizei e sobre o que discorrerei em no capítulo IV.
Se colaboração significa criar novos valores em conjunto e entendimento compartilhado, se as parcerias que envolvem colaboração necessitam de uma densa teia de conexões que aumenta a aprendizagem (KANTER, 1994:97), se a construção ativa do conhecimento, o ensino entre pares, e a retroalimentação motivadora são determinantes para a aprendizagem colaborativa, o professor, ao elaborar seu planejamento para mais um período escolar, não pode descartar a participação colaborativa de seus.
Dessa forma, a cada curso, formam-se coletivos que, colaborando mutuamente, constróem novos conhecimentos, agregando valor ao conhecimento já existente, tramam novas teias de relacionamentos e relações entre diferentes assuntos, densificando e aprofundando ainda mais a inteligência coletiva.
Ao usar as tecnologias de comunicação interativas ao longo da história, essas relações não se limitam ao entorno do professor. À medida que o professor participa de reuniões pedagógicas de forma colaborativa, o valor que ele agrega na construção com seus alunos pode enredar e compor novas teias com os valores agregados por outros professores. Se essas contribuições são registradas em artigos de livros ou periódicos, comunicadas em encontros, seminários, congressos, novos valores e outras redes de conexões estarão sendo construídos e comunidades de conhecimento ainda maiores estarão sendo enriquecidas. À medida que as tecnologias de comunicação permitem uma interação com um número maior de pessoas e com maior velocidade, os valores agregados podem ser maiores, podem ainda provocar uma qualidade de produção mais cuidada, uma reflexão compartilhada com resultados mais efetivos. Importante para que esse encadeamento, esse enredamento aconteça é que se estabeleçam de fato colaborações mútuas entre professor e alunos e entre alunos e alunos.
2.1.3 Trabalho de grupo e trabalho em equipe
Senti necessidade de esclarecer a diferença entre trabalho de grupo e trabalho em equipe a partir das leituras de especialistas e das respostas às minhas perguntas junto aos meus pares e alunos. Busquei não só na área de educação, mas, principalmente, na literatura de Administração de Empresas, esclarecimentos sobre o que na minha prática é muito claro e evidente.
Trabalho em equipe demanda colaboração com o significado que tenho explicitado e supõe, além da interdependência, responsabilidade e comprometimento, resultados de ação coletiva e conjunta conseguidos com coesão, cooperação, consenso, disciplina e empenho. Já o trabalho em grupo "confia no seu líder para a tarefa de atribuição de responsabilidades e de integração dos resultados dos trabalhos individuais" (KATZENBACH, 1998:xi).
2.2 Colaboração - a fala de meus pares e alunos
À medida que me aprofundava nessas minhas leituras e conversações sobre interações colaborativas, crescia a necessidade de saber o que meus pares e alunos pensavam sobre colaboração e decidi enviar-lhes, via correio eletrônico, três perguntas que me foram respondidas pela mesma via. Listei as expressões mais significativas em duas tabela (Tab. Col1 e col2) a partir da qual procurei chegara a algumas conclusões que explicitarei a seguir
2.2.1 Meus pares e/ou especialistas brasileiros e estrangeiros (Tabela 1).
Ao ler as respostas de meus colegas e/ou especialistas, à primeira pergunta "O que é colaboração ( em educação)?, pude inferir que colaboração significa para muitos "troca, intercâmbio, relação dialogal", "construção social do conhecimento através da interação", "trabalho conjunto tendo em vista o crescimento conjunto", "cooperação ao invés de competição", "uma forma de troca, pois quem colabora também aprende", para alguns é "um aconselhamento, uma contribuição ... emitida por alguém com mais experiência, conhecimento, vivência...". Há ainda entre esses os que a caracterizam como fundamental para o o trabalho multidisciplinar e/ou interdisciplinar, já que o "os problemas que se apresentam para o futuro profissional são cada vez mais complexos" e exigem abordagens multifacetadas.
Para esses professores, a colaboração não é unilateral, isto é, não caminha em uma única direção. Há compartilhamento de idéias, trabalhos e resultados ao invés de obediência de ordens superiores, há um caminho de duas vias, e os envolvidos na colaboração saem enriquecidos. Agregam algo novo vindo do outro aquilo que já possuem. "O todo é mais do que a soma das partes". E é neste sentido que tento desenvolver com meus alunos o ato colaborativo (capitulo IV).
Há algumas respostas que apresentam
a colaboração como ajuda, doação, participação
voluntária. Essa compreensão é perigosa para o trabalho
educacional, pois não estabelece uma relação de compromisso
entre as partes. Por um lado, a doação, a ajuda, o ato voluntário
pode começar e terminar segundo a vontade do doador, de quem ajuda,
de quem se voluntária sem se preocupar se a sua saída do
processo afetará ou não a continuidade eficaz desse processo.
Por outro lado, quem recebe ajuda, a doação, o ato voluntário,
pode, com o tempo, passar a considerar isso como obrigação
de quem doa, de quem ajuda. Em muitos projetos educacionais nas instituições
públicas de ensino médio e superior, é muito comum
encontrarmos essa situação. Quando professores, orientandos,
pesquisadores, chamados de "colaboradores" não têm a sua participação
e sua "colaboração" bem definidas em alguns projetos, com
os objetivos e os critérios de colaboração muito claros,
tornam-se espécie de "mão de obra gratuita" para a execução
de projetos que reverterão benefícios apenas para o núcleos
ou para os titulares dos projetos. E os centros de fomento ou de financiamento
de pesquisas ou de desenvolvimento de projetos não limitam verbas
para aquisição de equipamentos ou para instalações
físicas, mas regulam e restringem verbas que propiciem o aperfeiçoamento
dos recursos humanos envolvidos, uma vez que muitos dos que decidem sobre
essas verbas, entendem que colaboração e trabalho colaborativo
seja ‘doação de horas de pesquisa e de trabalho".
Quadro
1 Respostas de colegas brasileiros e estrangeiros (Mestrandos,
Mestres e Doutores)
As respostas à segunda pergunta, "Colaboração e trabalho em equipe são sinônimos? Por quê?", me trouxeram algumas questões para reflexão. Questões com as quais tenho me deparado em todos esses anos de experiência como docente. Quando aluna do curso clássico ( minha opção de Ensino Médio nos anos 60), estava sendo introduzida a técnica de trabalho de grupo nas escolas brasileiras. Dependendo dos objetivos e da visão educacional do professor, era muito eficaz, mas em alguns casos já acontecia o que acontece ainda hoje e que vem ressaltado em muitas das respostas à segunda pergunta. Trabalho de grupo ou trabalho em equipe acaba produzindo colchas de retalhos não harmoniosas ou trabalhos individuais com multi-autoria. Vejamos, algumas das respostas que por si só são significativas.
"Não,. Colaboração é ajuda, trabalho em equipe é profissional, com dependência um do outro"; (Mr1)
" Nem sempre, algumas vezes a equipe é controlada de cima e apesar de haver algum grau de colaboração, há uma estrutura na qual os papéis são designados de for apara dentro ( e de cima para baixo) ao invés de surgir do trabalho comum do grupo" (USA Dr1).
"Colaboração implica em envolvimento voluntário enquanto que trabalho em equipe pode ocorrer porque alguém ordenou" (USA Dr2).
Conjugo mais com aquelas respostas que consideram colaboração e trabalho em equipe como sinônimos.
" Se colaboração pressupõe trabalho conjunto, só pode se dar na forma de trabalho de grupo..." (Dr4).
"quando a equipe desenvolve sua própria estrutura e suas diversas funções, de dentro para fora, eu concordo que colaboração e trabalho em equipe sejam sinônimos".
De 10 respostas, apenas duas apresentam segurança e convicção na afirmação de que
"Eu acredito que esta abordagem (colaborativa) seja o resultado de um novo paradigma da sociedade da informação e das necessidades da indústria de trabalhadores no século XXI" .
Coloco-me um pouco mais, otimista, mas não muito, ao analisar as respostas de meus alunos dos cursos de Pós-Graduação.
2.2.2 Meus alunos dos Cursos de Pós-Graduação (Tabela 2).
As respostas recebidas equivalem a aproximadamente 25% das respostas esperadas. Enviei mensagem com as três perguntas para cerca de 40 alunos e 10 deles responderam (Tabela 2). Na minha consideração esse número de respostas é significativo, pois corresponde aos pensamentos manifestados oralmente nas aulas de avaliação dos cursos em que trabalhamos juntos.
Muitos alunos entendem colaboração como doação, ajuda desinteressada, sem compromisso, espontânea, implicando laços de afetividade. Houve mesmo uma aluna que ressaltou que, "o professor, é um profissional, que deveria trabalhar e receber justamente o seu salário por sua tarefa cumprida, de onde pude inferir que, para essa aluna, ao prestar colaboração o professor não estaria sendo profissional, mas fazendo um trabalho voluntário, não no sentido de ter vontade de fazer, mas no sentido de fazer algo sem retribuição, sem receber alguma forma de retorno. Percebi, ainda, que alguns desses alunos tinham uma idéia de colaboração descolada de suas atividades profissionais ou educacionais, quer como professores, quer como alunos. A minha experiência comprova essa postura, pois é muito comum que as instituições de ensino solicitem colaboração de seus professores em projetos pedagógicos, acreditando que os professores devam contribuir colaborativamente com horas de gerenciamento ou acompanhamento sem perceber qualquer tipo de remuneração ou compensação por esse trabalho, lembremos que – labora - significa trabalho.
Outros alunos caracterizam a colaboração como uma ação para atingir um objetivo comum: "o aproveitamento das competências de cada um direcionados a um interesse comum", " é interagir para florescer, ser solidário, partilhar da mesma proposta"; "trabalho comum com 1 ou mais pessoas criticando e/ou ampliando o trabalho (idéia) que o outro traz"; "é estar com o canal de comunicação aberto para receber e dar (em troca ou não) informações, conhecimento, dados, de forma espontânea". Para eles é uma ação que pressupõe "contribuição", "participação e envolvimento" que ajuda , é "uma troca entre educadores e educandos, despertando o gosto pelo aprender e ensinar e entre os próprios educadores, valorizando a ética profissional ", é "interação" , que ajuda a "desenvolver com maior eficiência as metas a serem atingidas, individual ou coletivamente" .
As respostas à segunda pergunta, Nas disciplinas que vocês trabalharam comigo, vocês acreditam que houve esse tipo de colaboração? Esclareçam seu sim ou seu não, confirmaram a idéia que esses alunos têm de colaboração. As expressões usadas para afirmar que houve colaboração no trabalho desenvolvido nas disciplinas que cursaram comigo revelam o que os alunos entendem por colaboração:
Já nas respostas que se seguem, a inferência é outra:
"A colaboração por mim observada foi quanto aos trabalhos em grupo, nós defendíamos as nossas idéias, e cada uma aceitava ou discordava, para um crescimento de uma idéia maior, global"; "estão sendo reunidos diversos talentos para a consecução de uma mesma meta",
"cada um defendia nossas idéias e cada um aceitava ou discordava para o crescimento de uma idéia maior,...".
"Houve muita colaboração: a sua colaboração se fez sentir em todos os trabalho que apresentamos, comentando, criticando, propiciando a cada um de nós um crescimento pessoal.
"Tivemos a oportunidade de realizar um trabalho colaborativo, a realização daquela página na Internet também foi um trabalho cooperativo".
Quadro
2 Respostas de alunos dos cursos de Pós-Graduação
A maioria dos alunos compreendem a colaboração como uma das atitudes necessárias para o trabalho com o outro quando interesses e objetivos comuns estão presentes. Não apenas a troca de experiências, mas o compartilhamento de descobertas, a reflexão conjunta, o exercício socrático da resposta com uma nova pergunta. Na prática, esses alunos são pessoas colaborativas e desenvolvem com seus pares e com seus alunos ações colaborativas.
A terceira pergunta para os alunos é a mesma que a segunda pergunta para meus pares, "Colaboração e trabalho em equipe são sinônimos? Por quê?". Das dez respostas, sete foram negativas, uma resposta estava em branco, uma resposta apresentava apenas a palavra sim e uma resposta era positiva e uma resposta. Nas respostas negativas, justificavam uns, que o trabalho em equipe é apenas distribuição de tarefas, sem discussão ou contribuição mútua. Para outros, uma vez que colaboração significa ajuda, doação, podendo mesmo ser anônima, é diferente de trabalho em equipe. segundo eles, exige compromisso, consenso e participação. O que respondeu positivamente acha que não pode haver trabalho em equipe se não houver colaboração.
Em paralelo, o que pude observar, ao ler com atenção e analisar as respostas é que a maioria dos alunos não tem muito claro para si o que é colaboração e por isso mesmo não conseguem exemplificar claramente a colaboração existente nas parcerias, projetos ou relações que desenvolvem com os outros. Percebi, também, que, quer no grupo de professores e especialistas, quer no grupo de meus alunos, se confunde muito o significado de "trabalho de grupo" e "trabalho em equipe".
Entendo que a colaboração só possa ocorrer em grupo, considerando o grupo como uma equipe, em que cada um tem sua função com vistas a um objetivo comum, a uma meta comum a ser alcançada por todos seus membros. Só ao analisar os documentos usados para esta pesquisa (capítulo III) dei-me conta de que há realmente uma confusão entre os termos, não só por parte dos alunos, mas também de educadores e pesquisadores. Essa confusão ficou ainda mais explicita, nas respostas recebidas de meus pares e de meus alunos. Concluo que não se tem muito clara essa distinção, porque em educação no Ensino Superior, é muito comum encontrarmos cada um defendendo seus objetivos e buscando alcançar a sua meta individual como se fossemos todos ou cada um indivíduos solitários, eremitas e/ou auto-suficientes. Essa também é uma das razões que me levou a explicitar o que entendo por trabalho em grupo e trabalho em equipe (p. 47 ).
A partir do momento em que o homem é um ser social, que vive em sociedade, a sua formação deve levar em consideração a necessidade de uma convivência que seja amigável, solidária, colaborativa. Dessa forma, o trabalho educacional tem que ter, além da atividade e reflexão individuais, momentos de trabalho em equipe e de trabalho de grupo para que esse indivíduo que sairá médico, advogado, engenheiro, dentista, economista, sociólogo, antropólogo, etc. saiba trabalhar em equipe, como profissional e participar de grupos sociais como cidadão, e em todas as situações ser solidário, comunitário e colaborativo.
Ao analisar as falas de especialistas, de meus pares e de meus alunos, concluo que há um elemento de fundamental importância que pode contribuir para provocar mudanças significativas nesse quadro. Trata-se dos ambientes onde essas relações interpessoais ocorrem. Precisamos criar metáforas colaborativas para que a colaboração, a parceria e a construção conjunta possam acontecer.
2.3 Metáforas Colaborativas: ambientes e tecnologias
Os ambientes e a tecnologia presente nesses ambientes têm muita importância no desenvolvimento de projetos colaborativos. A ação pode ficar comprometida em ambientes herméticos que privilegiem a ação individual e competitiva. Mas isso não significa que devamos abandonar a realização do projeto ao encontrarmos um ambiente não propício. Se entrarmos conscientes das dificuldades ou das características do ambiente, podemos antecipar ações para minimizar as dificuldades, uma vez que nem sempre podemos eliminá-las.
À medida que temos novos ambientes que possam ser configurados de acordo com as necessidades específicas da ação ou do projeto, à medida que possamos contar com uma infra-estrutura de trabalho compartilhado, certamente, o desenvolvimento da ação colaborativa será otimizado.
Na minha busca na literatura de estudos que corroborassem com minhas crenças de que necessitamos desenvolver metáforas colaborativas, e que as tecnologias de comunicação podem ser implementadoras de ação colaborativa, encontrei CROOK (1996) que fala sobre a experiência colaborativa da aprendizagem em ambientes tecnologicamente ricos e SCHRAGE (1995) que fala sobre colaboração e esses autores me fizeram para e refletir: As tecnologias de comunicação são mediadoras de comunicação, não de colaboração.
Um ambiente colaborativo bem desenhado pode permitir que todos os seus integrantes possam confrontar suas diversas perspectivas e interpretações bem como entender que "para cada objeto ou evento existem interpretações múltiplas. Essas interpretações podem ser dissonantes ou consonantes, mas refletem a complexidade natural que define os domínios do conhecimento mais avançados. Os ambientes colaborativos dão condições a quem aprende de identificar e reconciliar esses diversos pontos de vista a fim de resolver os problemas" (Jonassen e t al, 1993 apud KAYE, 1994:) .
Um ambiente colaborativo bem planejado integra as virtudes do texto impresso, o apelo visual da TV, e a potencialidade de manipulação de informação do computador. Cuidadosamente calibradas, as mídias colaborativas são auto-suficientes mas podem trabalhar produtivamente em rede. Dessa forma, grandes idéias nascem e tem oportunidade de crescer.
Os ambientes com mídias podem de fato ser ambientes colaborativos que projetam mudanças fundamentais nas ciências, nas artes, e na tecnologia.
Entretanto, professores e alunos podem transformar ambientes tradicionais áridos em ambientes colaborativos. A participação dos alunos na rearrumação do ambiente das tradicionais salas de aula já mobilizam de alguma forma esses mesmos alunos de forma positiva e até criativa se souberem porque estão rearranjando o ambiente e se forem estimulados a darem a sua contribuição no novo "design" do ambiente.
2.3.2 Tecnologias colaborativas
A multimídia permite que os alunos criem produtos que expressarão suas idéias, concepções e crenças de uma maneira mais rápida, adequada sedutora do que as tecnologias tradicionais, integrando som, imagens e texto. Enquanto a telemática, permite a criação conjunta assíncrona (utilizando o correio eletrônico) e a síncrono através da utilização de softwares compartilhados e nesse caso a distância não é mais um obstáculo. Tecnologias de informação e de comunicação que se transformam em tecnologias colaborativas se aplicadas a parir de uma abordagem de aprendizagem ou ação colaborativa.
No capítulo IV, ao descrever
as ações que desenvolvemos, meus alunos e eu, procuro explicitar
de que forma os princípios, ambientes e tecnologias que acabo de
analisar estão ou não entrelaçados e presentes, refletindo
sobre a importância do fazer e do refletir sobre o fazer colaborativo.
Autora: Iolanda
Bueno de Camargo Cortelazzo.
Colaboração, Trabalho em equipe e as Tecnologias de Comunicação: Relações de Proximidade em Cursos de Pós-Graduação. Tese de Doutorado - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2000. Orientadora: Profa. Dra. Vani Moreira Kenski . |
Bibliografia
Glossário Anexos
Resumo
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