FFCHLA - Mestrado em Educação e Curso de Pedagogia
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PEDAGOGIA E CIDADANIA

Maria Antônia de Souza
maria.souza@utp.br
Mestrado em Educação
Universidade  Tuiuti do Paraná.

 
Neste início de século, muitas propostas de conteúdos e metodologias estão em debate no campo educacional, em especial, nos cursos de Pedagogia e  licenciaturas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais têm orientado a atuação dos professores, ao lado das propostas elaboradas em cada estado e município do país. Poderíamos pensar que a dinâmica societária tem suscitado mudanças na educação e que os sujeitos que fazem a educação escolar são desafiados na construção de um processo educativo que ultrapasse os limites da dimensão transmissora de conteúdos, presente durante década no Brasil. 
Inúmeros acontecimentos oriundos da dinâmica societária atual propiciaram a ampliação do debate a respeito da educação e da cidadania. Dentre tais acontecimentos temos as lutas em prol da ampliação do número de vagas nas escolas, as lutas por melhorias salariais e os congressos nacionais e internacionais focalizando uma sociedade menos desigual, assim como Fóruns Sociais, a exemplo do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, pela segunda vez. Poderíamos seguir com os exemplos, no entanto, temos como objetivo apontar idéias e questionamentos acerca do tema Pedagogia e Cidadania.
 Iniciamos com uma breve interrogação: o que é Pedagogia? O que é Cidadania? Algumas palavras-chaves surgem para trilhar o caminho de nossa intervenção, dentre elas: prática educativa, gestão escolar, ensino e administração, por exemplo, como referência para a palavra Pedagogia. Quanto a cidadania, a terminologia direitos, deveres, participação, coletivo  e consciência, compõem o cenário conceitual provisório.
 Num primeiro momento, cabe perguntarmos qual é o sentido deste tema “Pedagogia e Cidadania”, na atualidade, para os pedagogos e futuros educadores. Podemos lembrar GHIRALDELLI JÚNIOR (1987) quando afirma que “... pedagogia está ligada ao ato de condução ao saber (...) tem, até hoje, a preocupação com os meios, com as formas e maneiras de levar o indivíduo ao conhecimento” (p.8).
 Conforme ilustra o referido autor, na Grécia Antiga, a pedagogia era a atividade do escravo que conduzia as crianças aos locais de estudo, onde os preceptores forneceriam a instrução, o estudo. A Pedagogia, desde a sua origem, possui relação com a ação educativa, com os objetivos e as maneiras de ensinar, por exemplo. Podemos afirmar que a concepção de educação norteará os objetivos e os caminhos utilizados na prática educativa. É possível lembrarmos, ao menos duas concepções de educação, há quase meio século estudados por Paulo Freire, a saber: a concepção bancária da educação, da qual Paulo Freire é crítico e a concepção dialógica ou problematizadora, defendida pelo autor.
 Na obra “Pedagogia do Oprimido”, o autor apresenta as características da concepção bancária de educação, afirmando que a mesma serve como instrumento de opressão de uma classe sobre outra. A relação professor aluno apresenta-se de forma hierarquizada e distanciada, sendo que os alunos recebem uma formação educativa do tipo reprodutora de conhecimentos. Tanto o professor quanto o aluno não são sujeitos no processo de construção do conhecimento. O primeiro é um transmissor enquanto que o segundo é um receptor, tal como um banco, no qual os depósitos são realizados.  No contexto da concepção problematizadora ou libertadora de educação, há predomínio da dialogicidade, que tem início na busca pelo conteúdo programático (temas geradores). O autor enfoca a colaboração no processo de construção de conhecimentos e a investigação constante. Estaríamos diante de uma concepção de educação que propiciaria processos de conscientização e de libertação dos sujeitos no processo educativo. Este complexo de relações pautadas na dialogicidade contribuiria para a efetivação da cidadania, uma vez que possibilitaria o reconhecimento intersubjetivo por parte dos sujeitos participantes do processo educativo, construindo assim o sentimento de respeito e de identidade.
 Na última década do século XX, o campo educacional foi marcado pela aprovação da LDB/96 e pela difusão dos Parâmetros Curriculares Nacionais e neles os Temas Transversais. Tomando como referência as duas concepções é que focalizaremos o tema Pedagogia e Cidadania, entendendo a Pedagogia como o conjunto de conhecimentos que possibilita construir conhecimento sobre a prática educativa (efetivação e análise), podemos questionar quais são os fatores que contribuem para a elaboração e divulgação de propostas educacionais que se pautam nas discussões sobre ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde entre outros temas.
 Os Temas Transversais fazem parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais, cuja preocupação é propor “... uma educação comprometida com a cidadania”, baseados em princípios que possam orientar a educação escolar, tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade pela vida social. (BRASIL, 1998, p. 21).
 Conforme exposto no mesmo documento “a educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. Com isso, o currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e que novos temas possam ser incluídos” (p. 25). Trata-se de um documento que possibilita diretrizes para o campo educacional, no entanto, resta-nos indagar a respeito das concepções de educação e cidadania que vêm sendo construídos ou transmitidas nos cursos de Pedagogia. 
 Também, o sistema educacional brasileiro, ainda que tenha sofrido inúmeras modificações na década de 1990 (aumento de matrículas, elaboração de diretrizes curriculares, provas nacionais, programas de capacitação de professores etc), está repleto de desafios, tais como os relacionados à formação do educador e sua educação continuada; o aumento do número de alunos nas salas de aulas; a sobrecarga de trabalhos dos professores etc. Mesmo diante destes desafios, as mudanças no campo educacional são notórias, assim como as experiências educativas resguardam uma diversidade em cada região do país.
 Há 30 anos, a educação escolar no Brasil era permeada pela reprodução de conteúdos, embasados principalmente nos livros didáticos, proliferava-se o conceito de cidadania outorgada. Nos dias atuais, os professores estão diante de uma “chuva” de propostas educativas e diretrizes curriculares, estão diante de uma realidade que lhes exige “tomada de posição” na seleção do conteúdo e metodologia de ensino. Assim, o trabalho com os temas transversais está na dependência da formação educacional obtida pelo professor. Também, está na dependência da organização de grupos de estudos em cada escola, portanto, da construção de projetos individuais e coletivos. Aqui poderia ter lugar a discussão a respeito das possibilidades da pesquisa no espaço escolar, tal como no dizer de FREIRE de que “ensinar exige pesquisa” tanto por parte do professor quanto do aluno, uma vez que uma das funções do educador é criar a atitude de pesquisa nos alunos.
 ARROYO (1991) ao discutir educação e cidadania afirma que “é fundamental captar se a cidadania se constrói através de intervenções externas, de programas e agentes que outorgam e preparam para o exercício da cidadania, ou ao contrário, a cidadania se constrói como um processo que se dá no interior da prática social e política das classes” (p. 74-75).
 Tomando como referência a idéia do autor acima e pensando que o campo de atuação do pedagogo está sendo ampliado, na atualidade, cabe indagar a respeito da responsabilidade do educador (gestor, docente ou técnico) com o processo educativo. Indagar a respeito da concepção de educação e de mundo que o educador possui é primordial quando refletimos cidadania e Pedagogia. Refletir a respeito do sentido da prática educativa e como esta contribuir com processos de transformação das relações educativas e sociais, é questão primordial para o educador. 
 COVRE (1991) aponta que “é preciso haver uma educação para a cidadania (...) é preciso criar espaços para reivindicar os direitos, mas é preciso também estender o conhecimento a todos, para que saibam da possibilidade de reivindicar” (p. 66). Já, MACHADO (1997) nos faz pensar uma concepção de cidadania que ultrapassa o estatuto dos direitos formalmente garantidos, comenta a necessidade de superação dos discursos sobre educação para a cidadania. O autor trabalha com a idéia de projetos coletivos no campo educacional, afirmando que “... nada parece mais característico da idéia de cidadania do que a construção de instrumentos legítimos de articulação entre projetos individuais e coletivos” (p. 47).
 Temos constatado em nossas escolas a ampliação do número de projetos escolares, oriundos de Programas tais como o Vale Saber ou dos cursos de pós-graduação lato sensu. No entanto, resta analisar os conteúdos e implicações deste trabalho no contexto escolar. Muitos professores ampliam a sua visão de mundo, quando desenvolvem projetos de pesquisa e/ou escolares, embora, alguns estejam apenas interessados na obtenção dos certificados para aquisição de ascensão de nível na carreira.
 FREIRE (1997, p.110) destaca que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Portanto, ensinar exige uma tomada de posição, ao que o autor denomina de “opção”, uma vez que toda ação é política. O importante é saber se a ação estará contribuindo para a reprodução ou desmascaramento de idéias, fatos e acontecimentos.
 Conforme afirma MACHADO (1997) “educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo”. Neste sentido, a afirmação de COVRE não é divergente de MACHADO uma vez que ambos estão salientando a importância dos espaços educativos que propiciem um contato ou a construção de conhecimentos relacionados aos direitos, ou melhor, à idéia de que os direitos existem e de que novos direitos são elaborados na medida em que a dinâmica societária aponta temas emergentes (necessidades e carências), do debate a respeito da cidadania planetária (direitos sociais e ambientais, sustentabilidade do futuro, igualdade e liberdade acrescidos do direito à diferença, conforme afirma SCHERER-WARREN, 1999).
 Ainda, no campo educacional, temos participado de ações caracterizadas como voluntariado (Amigos da Escola), bem como de programas de renda mínima (a exemplo do Bolsa Escola), que colocam uma idéia de cidadania, não como algo conquistado ou a conquistar, mas como um dever de cidadão. São ações que estão relacionadas à idéia de participação, no entanto, constituem-se como espaços em construção, que podem caminhar para o lado da participação presença (ajuda) ou para o lado da participação efetiva (influenciar, propor alternativas para o contexto no qual a ação está sendo desenvolvida).
 No campo da Pedagogia, inúmeras possibilidades são abertas neste início de século, dentre elas a atuação do profissional no campo empresarial, nos movimentos sociais, nas Organizações Não-Governamentais, além do espaço escolar. Assim, adoção da perspectiva da pesquisa no processo de formação do pedagogo propiciará que o mesmo construa elementos chaves para a sua futura atuação profissional.
 Os motivos que nos levam à abordagem da pesquisa no campo educacional estão relacionados com a idéia de autonomia, ética, comprometimento, competência e autoridade por parte do profissional da educação. O profissional da educação terá possibilidades de ampliar a sua visão e a dos alunos, a respeito de cidadania, quando ele tiver noções claras a respeito do que seja cidadania. A busca constante de informações e inquietações a respeito das mesmas propiciará um caminhar na efetivação da cidadania. Para além das noções de direitos humanos, a cidadania está vinculada à idéia de participação e de ação coletiva, pois é no âmbito do grupo e das relações sociais nele propiciadas que emergirão identidades, reivindicações, desmascaramentos de idéias, organizações sociais etc. No campo educativo e nele a Pedagogia, os projetos coletivos escolares constituem possibilidades para a efetivação da cidadania ativa, como construção de conhecimentos, de atitudes, de posturas e valores, além da possibilidade de romper paradigmas.
 Para concluir este texto, utilizaremos a noção de cidadania como estratégia política, conforme afirma DAGNINO (1994), “...ela expressa e responde hoje a um conjunto de interesses, desejos e aspirações de uma parte sem dúvida significativa da sociedade, mas que certamente não se confunde com toda a sociedade (...) as aspirações e crescente banalização desse termo não só abrigam projetos diferentes no interior da sociedade, mas também certamente tentativas de esvaziamento do seu sentido original e inovador” (p.103).
 A autora destaca que a cidadania está ligada à experiência concreta dos movimentos sociais, expressa na luta por direitos; expressa novas dimensões a respeito da democracia e organiza uma estratégia de construção democrática, de transformação social. 
 Ao analisar o conceito de cidadania e a sua expressão na sociedade, a autora faz uma opção pelo olhar da “cidadania construída”, assim a menção aos movimentos sociais como fundamentais no processo de efetivação da cidadania e da construção da noção teórica da mesma. Assim, cabe ao educador a sua opção, ou seja, difundir a idéia de cidadania outorgada (oferecida, permitida) ou cidadania como conquista, oriunda das lutas sociais com caráter de classe ou não, a exemplo dos movimentos ambientalistas, movimento de mulheres, negros, homossexuais entre outros.
 Neste texto, a intenção primeira foi problematizar o conceito de cidadania e a sua presença na Pedagogia (e no campo educacional mais amplo). Para concluir, podemos afirmar que a cidadania está relacionada à idéia de direitos, participação sócio-política e atitudes coletivas. Assim, no campo da Pedagogia o desafio está na construção de projetos escolares de conotação coletiva, mas que resguardem os projetos individuais dos educadores; a construção de estratégias de participação da comunidade na escola, respeitando os princípios democráticos e não meramente enfatizando “ações voluntárias”, que não carecem de envolvimento efetivo dos participantes.

Referências

BUFFA, Ester, ARROYO, Miguel e NOSELLA, Paolo. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? 3 ed. SP. Cortez, 1991.
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. SP: Brasiliense, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. RJ: Paz e Terra, 1987. 
____. Pedagogia da Autonomia. 3. ed. RJ: Paz e Terra, 1997. 
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. SP: Brasiliense, 1994.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. SP: Moderna, 2000.
GHIRALDELLI JÚNIOR, P. O que é Pedagogia. SP: Brasiliense, 1987.
MACHADO, Nilson José. Cidadania e Educação. 2. ed. SP? Escrituras, 1997. 
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e Quarto ciclos do ensino fundamental. Temas Transversais. Brasília, 1998.
PIMENTA, Selma Garrido (coord.) Pedagogia, ciência da educação? SP: Cortez, 1996.
SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização. SP: Hucitec, 1999.
 

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Edição: Evelcy Monteiro Machado e  Iolanda B. C. Cortelazzo -  dezembro de 2002.
Criação da Página: Ioalnda B. C. Cortelazzo - novembro 2002