FFCHLA - Mestrado em Educação e Curso de Pedagogia
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PEDAGOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EM BUSCA DE VIRTUDES
Profa. Dra.Doralice Lange de Souza Rocha
doralice.rocha@utp.br
Mestrado em Educação
Universidade Tuiuti do Paraná


A discussão sobre a formação do professor tem girado em torno de questões técnicas, pedagógicas e políticas. Existe, entretanto, uma dimensão importante que tem sido negligenciada no debate, que se refere ao desenvolvimento de certas qualidades que o futuro professor precisa para que possa se tornar um verdadeiro educador. Este é justamente o tema deste trabalho.  
De uma forma geral, o desenvolvimento profissional do professor tem partido de um pressuposto ingênuo: A idéia de que a razão e o raciocínio lógico predominam na prática docente. Como bem diz PERRENOUD (1997), grande parte das ações dos professores são feitas de improviso. Ele explica:  
A racionalidade é ilusória quando se finge acreditar que processos tão complexos quanto o pensamento, a aprendizagem e a relação podem ser inteiramente dominados sem que haja uma erupção de valores, da subjectividade, da afectividade, sem que haja dependência relativamente a interesses, preconceitos, incompetências de uns e de outros. É freqüente a formação sugerir que tudo pode ser dominado quando se é um bom profissional, mas numa profissão impossível—como Freud denominava a profissão docente—o profissional ‘dá o seu  melhor’ tendo de aceitar com alguma humildade que não domina todos os processos e que, portanto, o acaso e a intuição desempenham um papel em grande parte dos êxitos e dos fracassos.  ( p. 31)
“A prática não é uma concretização de receitas” ( PERRENOUD, 1997).  Ela envolve a tomada de incontáveis micro-decisões  das mais  variadas naturezas. Por exemplo, a decisão de se responder ou não `a uma pergunta,  prosseguir ou terminar uma discussão ou aceitar ou rejeitar a sugestão de um aluno.  Estas decisões em muitos casos não seguem  regras preestabelecidas, uma vez que nem sempre são previstas ou conscientemente tomadas: O professor freqüentemente se encontra face à situações novas que o forçam a improvisar.  Muitas vezes também se vê em situações que lhe são tão familiares que não precisa pensar antes de agir. Diante de tais situações,  normalmente toma decisões baseado em seu “habitus”, que em poucas palavras poderia ser definido enquanto um conjunto de esquemas de percepção e ação provenientes de nossas experiências passadas, conjunto este que funciona enquanto uma matriz que possibilita a concretização de ações diferenciadas diante das diversas situações em que nos encontramos (BOURDIEU, 1972; PERRENOUD, 1997) .  PERRENOUD (1997) explica: 
O espírito do professor tenta constantemente integrar, de uma forma mais ou menos consciente, a totalidade dos dados: o que está a acontecer, o que foi feito, o que ele desejaria fazer, o que se pode ainda fazer, o que se deveria fazer nessa situação tendo em conta os princípios didácticos e os diversos obstáculos. O hábitus é, justamente, essa espécie de computador que, funcionando em tempo real, transforma estes dados numa acção mais ou menos eficaz, mais ou menos reversível. (p. 39-40)
Para que haja uma verdadeira transformação da prática do professor, é necessário que se vá além de explorar diferentes teorias de ensino e aprendizagem e de se apostar/trabalhar em questões referentes à estruturas que afetam a dinâmica da sala de aula, como por exemplo problemas políticos, econômicos e administrativos, sistema de avaliação, disponibilidade de materiais didáticos, etc.  Embora isto tudo seja importante e precise ser endereçado, precisamos também nos conscientizar da importância do “habitus” e trabalhar para ajudar o futuro professor a transformá-lo (PERRENOUD, 1997). Precisamos também encorajá-los para investirem no desenvolvimento virtudes necessárias para que possam se tornar verdadeiros educadores.  
Vários autores, entre eles KESSLER (1991; 2001),  KRISHNAMURTI (1981), J. MILLER (1993, 1994), R. MILLER (1995), and PALMER (1993, 1998), tem discutido o fato de que,  a nossa forma de ser—nossos defeitos e virtudes—tem um impacto tremendo nos nossos alunos.  Rudolf Steiner, por exemplo, defende a idéia que embora o que ensinamos às crianças com palavras seja importante,  como nos portamos diante delas tem um influência ainda maior nas mesmas: 
…a criança imita o que você diz. Mas o que você é enquanto pessoa é o que importa; se você é bom esta bondade vai aparecer nos seus gestos; se você é mal-humorado isto também vai aparecer em seus gestos—resumindo, tudo o que você faz é passado às crianças e abre caminho nos seus corações (…). As inclinações que as crianças desenvolvem depende de como você se comporta em sua presença.  (STEINER, 1998, p. 92, minha tradução) 
LEVY (1996), entre outros, reforça este pensamento: 
Cada decisão tomada, cada julgamento feito, cada interação com uma criança demostra o que valorizamos serve enquanto um modelo para nossos alunos sobre o que realmente conta na vida, em sermos humanos (…). As crianças tomam isto tudo no seu dia a dia, tão inconscientemente como o respirar. Isto tudo trabalha de maneira sutil na formação de seu caráter.  (pp. 154 -155, minha tradução) 
A forma de ser e agir do professor influencia também na prática social de seus alunos. Veja por exemplo o que dizem OLIVEIRA e DUARTE (1987) sobre este assunto:

O modo como o professor desenvolve o seu dia-a-dia em sala de aula (independentemente ou não do discurso que proclama) contribui em muito (sabendo-se disso ou não) para a formação da postura do aluno (tanto no que diz respeito ao seu pensamento como a sua ação), dentro e fora da escola, em relação a si mesmo, aos demais membros de grupos dos quais faz parte, enfim, em relação à prática  social na qual se insere. ( p.50)
Outros autores também remarcam que a forma de agir do professor, a postura que adota diante dos conhecimentos que trata, transmite aos mesmos uma determinada epistemologia. PALMER (1993) bem sintetiza os pensamentos acima na seguinte afirmação:  “A forma com que o professor trabalha passa tanto uma epistemologia quanto uma ética aos alunos, tanto uma forma de conhecer e uma forma de viver.” (minha tradução, p.29)  
A forma com que ensinamos deve ser consistente com os objetivos e conteúdos a serem atingidos. Por exemplo, se a escola se propõe a difundir a noção que os conhecimentos são historicamente construídos, dinâmicos e em constante processo de mudanças, os conteúdos abordados em sala de aula não podem ser trabalhados de forma estática e dogmática. Precisamos, de certa forma, criar a oportunidade para que juntamente com nossos alunos possamos construir/reconstruir, analisar e criticar os conhecimentos trabalhados.  Outro exemplo, digamos que a escola objetive promover em seus alunos um espírito crítico e o desenvolvimento de conhecimentos e competências para que possam ativamente e efetivamente contribuir para a transformação da realidade em que vivemos. Digamos, entretanto que nós enquanto professores desta escola somos autoritários e não permitimos que nossos alunos tomem parte dos processos de decisão na sala de aula ou que façam qualquer tipo de questionamento com relação ao que acontece na instituição educativa. Neste caso, o  nosso “fazer” acabará por contradizer os objetivos da escola.  Como podemos ver nestes exemplos, e como diz WACHOWICZ (1989) entre outros,  a  prática do professor é essencial para que possamos cumprir a teoria e  não o contrário desta teoria. 
CONCLUINDO 
Num trabalho recente com  meus alunos do curso de Pedagogia , lhes pedi para escrever sobre as experiências que mais os marcaram na escola e na semana seguinte tivemos uma discussão sobre este tema em sala de aula. É interessante que, tanto em suas redações quanto em seus comentários, nenhum deles se referiu à situações específicas de aprendizagem relativas à conteúdos e/ou ao desenvolvimento de competências. Todos se centraram em questões diretamente relacionadas à forma de ser de seus professores, e em alguns poucos casos, de seus colegas.  Uma aluna falou, por exemplo, sobre como o jeito agressivo da sua professora na primeira série lhe despertou medo da escola. Outra relatou como os gritos de um professor cada vez que ela ou seus colegas cometiam um erro de leitura em sala de aula a traumatizou e a leva até hoje à um pânico total cada vez que precisa ler ou apresentar algum trabalho em público. Ainda outra aluna discorreu sobre como a compreensão e o suporte de um determinado professor no segundo grau lhe deu força para encarar o problema que estava enfrentando e como o exemplo deste professor até hoje influencia na forma com que ela se relaciona com seus alunos. As estórias contadas por meus alunos confirmam o ponto que estou tentando fazer aqui: Que quem somos enquanto pessoa, nossas qualidades   e como nos comportamos frente aos nossos alunos normalmente fala muito mais alto aos mesmos do que o que lhes é ensinado com palavras. 
Virtudes como por exemplo sensibilidade,  senso de justiça, compaixão e respeito pelo próximo nem sempre afloram facilmente. Precisam ser cultivadas ao longo do tempo. Aqueles de nós que gostaríamos de trabalhar ou que já trabalhamos com a educação de outros, precisamos urgentemente  nos dedicar ao nosso auto-desenvolvimento para que possamos servir de bom exemplo para os nossos alunos. E aqueles de nós que diretamente ou indiretamente lidam com a educação de futuros professores ou com a educação continuada de professores, precisamos desenvolver políticas de trabalho e programas que os levem a trabalhar  certas virtudes para que eles também possam servir de bom exemplo aos seus educandos. 
 Conhecimento, competência técnica e compromisso político são essenciais para uma boa gestão do ensino. Entretanto, isto só não basta. De nada adianta termos um amplo cabedal de conhecimentos, recursos técnicos e pedagógicos, e um determinado posicionamento político  se não somos  capazes de agir de forma coerentes com o que acreditamos.

Referências

BOURDIEU, P. Esquisse d’une théorie de la pratique. Genève: Droz, 1972. 
EISLER, R; LOYE, D. The partnership way. Brandon: Holistic Education Press, 1998.
EISLER, R.; LOYE, D. Tomorrow’s children: a blueprint for partnership education 
in the 21st Century. Boulder: Westview Press, 2000. 
KESSLER, R. The teaching presence. Holistic Education Review, Brandon, 
v. 4, n. 4, p. 4-15, 1991. 
KESSLER, R. Soul of students, soul of teachers: Welcoming the inner life to 
school. In: LANTIERI, L. (Ed.). Schools with spirit: Nurturing the inner lives of 
children and teachers. Boston: Beacon Press, 2001.
KRISHNAMURTI. Education and the significance of life. San Francisco: Harper 
& Row, 1981
LEVY, S. Starting from scratch: One classroom builds its own curriculum. 
Portsmouth: Heinemann, 1996.
MILLER, J. The holistic curriculum. Toronto: OISE Press, 1988.
MILLER, J. The holistic teacher. Toronto: Ontario Institute for Studies in Education 
             Press, 1993.
MILLER, J.  The contemplative practitioner: Meditation in education and the 
professions. Westport: Bergin & Garvey / Greenwood, 1994.
MILLER, J. Education and the soul: Toward a spiritual curriculum. Albany: 
State University of New York Press, 2000.
MILLER, R.  A holistic philosophy of educational freedom. In R. MILLER (Ed.) 
Educational freedom for a democratic society: A critique of national goals, 
standards, and curriculum. Brandon, VT: Resource Center for Redesigning 
Education, 1995.
OLIVEIRA, B. A.  & DUARTE, N. A socialização do saber escolar. (3rd ed.). São 
Paulo, Cortez: autores Associados, 1987
PALMER, P. J. To Know as we are known: Education as a spiritual journey. San 
Francisco: HarperCollins, 1993.
PALMER, P. J. The courage to teach. San Francisco: Jossey-Bass, 1998.
PERRENOUD, P.  Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas 
sociológicas. 2.ed.  Lisboa: Dom Quixote, 1997.  
STEINER, R. The kingdom of childhood. In R. Trostli (Ed.). Rhythms of 
Learning: Selected Lectures by Rudolf Steiner. Hudson, NY: Anthroposophic Press, 1998.
WACHOWICZ, Lilian Anna. O método dialético na didática. Campinas, SP: Papirus, 
1989.
 

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                Edição: Evelcy Monteiro Machado e  Iolanda B. C. Cortelazzo -  dezembro de 2002.
                        Criação da Página: Ioalnda B. C. Cortelazzo - novembro 2002