Introdução
Neste texto, ao se falar sobre educação e inclusão,
não se refere necessariamente à discussão presente
hoje no Brasil sobre a inclusão de pessoas com necessidades especiais
em escolas regulares. Trata-se de analisar, neste texto, em que medida
a educação, enquanto processo de produção e
transmissão de conhecimento, promove a inclusão social. Argumentamos
que a educação é inclusiva quando dois principais
aspectos são levados em consideração: O primeiro deles
diz respeito ao significado do saber produzido pela educação,
quando o saber produzido e/ou transmitido pela educação tem
significado na luta pela vida das pessoas pobres. O segundo refere-se
à forma como o conhecimento é produzido e/ou transmitido,
ou seja, a pedagogia, propriamente dita.
Começando pelo primeiro aspecto, argumentamos que o saber enquanto
bem socialmente produzido, exerce fundamental importância, no processo
da inserção social, quer seja através do trabalho
(na produção) ou na dinâmica do próprio processo
cultural da sua elaboração. O acelerado processo de inovação
tecnológica que caracteriza a sociedade dos dias de hoje, com o
implemento de significativas mudanças nas relações
sociais de produção, faz com que o conhecimento tome uma
particular importância. Na sociedade dos nossos dias
o conhecimento assume significativa importância devido a rapidez
que envolve a questão da inovação tecnológica
na produção e o caracter competitivo que a caracteriza. Isso
significa dizer que a questão deve ser pensada de forma a considerar
o conhecimento como meio e não como fim, mas um meio de vital importância
para os nossos dias.
Em relação ao segundo aspecto analisado, argumentamos
que o pressuposto teórico paradigmático que fundamenta as
instituições públicas no repasse do conhecimento socialmente
produzido a diferentes segmentos sociais determina a utilização
de um procedimento metodológico excludente provocante de um corte
entre os segmentos sociais, beneficiando uns em detrimento de outros. Este
corte pode ser entendido como um processo de diferenciação
(entre os diferentes segmentos sociais) criado no ato do repasse do saber
socialmente produzido. Fazemos a tentativa de estabelecer uma comparação
entre o papel das políticas públicas de desenvolvimento tecnológico
da produção e o da escola. Em outras palavras, trabalhamos
com a hipótese que o paradigma da dualidade, nascido do positivismo
clássico, ainda utilizado pelas políticas públicas
de desenvolvimento tecnológico da produção, está
presente na escola e que o resultado social é similar ao da produção.
Na produção, a concepção dualista da realidade
social, a qual ainda é aplicada pelas políticas públicas
de desenvolvimento tecnológico, determina uma leitura irreal da
realidade social, dicotomizando-a entre o errado e o correto, promovendo
uma diferenciação entre o conhecimento correto e o não
correto, o que leva a prática produtiva correta ou a não
correta etc., sem o esforço da conjugação entre um
e outro. Nas teorias da modernização, o conhecimento técnico
dito moderno é materializado em novas técnicas utilizadas
na produção. Este conjunto de novas técnicas confronta-se
dualmente com o antigo, dizendo da necessidade da mudança de fatores
de produção, isto é, faz-se necessário eliminar
os conhecimentos ditos tradicionais para a implantação do
conhecimento novo. Entendemos que esta leitura dualista da realidade social
pode estar presente na escola e é a partir dela que se institui
uma postura metodológica de repasse do saber socialmente produzido.
Em outras palavras, a escola representa a instituição que
passa o conhecimento novo, tido como o verdadeiro, em detrimento de outros
tantos advindos das diferenças sociais.
Entendemos ainda que a postura dualista utilizada no repasse a diferentes
segmentos sociais do conhecimento socialmente produzido, quer seja na escola
ou na produção, determina o aparecimento de um processo de
troca de agentes sociais entre os ditos “aptos” e os “não aptos”
para lidar com o conhecimento novo. Este resultado das políticas
sociais de socialização do conhecimento está diretamente
associado à premissa da indiferenciação, buscando
a promoção de um processo de homogeneização.
Mas essa homogeneização, feita pelas políticas públicas
de desenvolvimento tecnológico, vem acompanhada por um processo
de competitividade/seletividade entre os agentes sociais (ou classes) resultando
finalmente, na eliminação dos agentes sociais que entrarem
nesta dinâmica em condições diferenciadas.
A discussão sobre o papel da homogeneização na
escola está bastante esgotada na área da pedagogia e da política
educacional, mas a resgatamos aqui porque entendemos que ela, nesta análise,
se apresenta com uma feição ampliada. A homogeneização
é utilizada como parâmetro e como meta, na escola e no processo
de alteração da base técnica de produção.
No processo do ensino e da aprendizagem, tanto na escola como na produção,
estabelece-se metas quantitativas e qualitativas em torno de um bloco de
conhecimento. Na verdade, ao estabelecer-se esta meta, busca-se homogeneizar
os sujeitos sociais, adotando uma postura indiferente com as diferenças,
em torno de um alcançado uniforme. Estabelece-se também parâmetros
quantitativos e qualitativos em torno do conteúdo absorvido e do
comportamento apreendido pelo sujeito social cuja finalidade é a
busca da homogeneidade. A homogeneidade como parâmetro faz surgir,
no próprio processo do repasse do conhecimento socialmente produzido,
uma divisão seletiva entre os que atinge a homogeneidade e os que
não conseguem esta meta. Este corte diferencial se dá em
duas dimensões: quando da socialização do conhecimento
técnico para ser utilizado na produção e no repasse
do conhecimento socialmente produzido a diferentes segmentos sociais na
escola.
Ousaríamos dizer ainda que a lógica dos procedimentos
metodológicos utilizados pelas instituições públicas
de repasse do conhecimento socialmente produzido a diferentes segmentos
sociais, assemelha-se à lógica do mercado. Pressupõe-se
que o mercado enquanto elemento regulador das relações sociais,
de conformidade com teoria liberal da lei da vantagem comparada, possibilita
que todos os segmentos sociais tenham acesso a ele com igual condições,
podendo se adaptar às regras homogêneas da oferta e da procura,
de igual para igual.
A idéia de aproveitar estas conclusões obtidas com pesquisas
junto à esfera econômica na escola, nasceu a partir do pressuposto
que lá se tem um procedimento mais ou menos similar ao da produção
no sentido do repasse do saber socialmente produzido a todos os segmentos
sociais. Na escola, esta diferenciação constatada na esfera
econômica pode ocorrer também, pois ela é entendida
como um espaço público de repasse do saber socialmente produzido,
ou, em certas circunstância, da própria produção
do saber. A escola, ao exercer este papel, ela pode aprofundar as diferenciações
sociais trazidas do contexto social e até mesmo excluir o cidadão
do espaço escolar. Isso pode ocorrer porque a escola parte do pressuposto
que os sujeitos sociais são homogêneos e, ao mesmo tempo,
exige uma homogeneidade, quando cobra a aprendizagem de um padrão
de conteúdos, a submissão de regras únicas para todos
os sujeitos sociais e utiliza um procedimento metodológico para
todos os sujeitos sociais independentemente da sua origem social. Assim
como no âmbito da socialização do saber na produção,
a premissa utilizada no repasse do saber dentro da escola é também
o da dualidade entre o “apto” e o “não apto”. Vejamos, por exemplo,
o papel da avaliação. Trata-se de uma cobrança do
aprendizado de um conteúdo básico para todos os sujeitos
sociais a partir de uma lógica dual entre o certo e o errado. A
dualidade do certo e do errado se traduz pela convenção do
anteriormente decidido. O erro exerce o papel da seletividade, da segregação
entre o que está em condições de seguir o caminho
da escolarização, e o que fica no caminho. A idéia
do erro é fundamentada a partir da homogeneização.
Esta diferença que se estabelece entre o que fica e o que continua
o caminho da escolarização pode ser entendido como o corte
social, a diferenciação que no contexto social mais amplo
vai significar a formação de uma divisão social do
trabalho.
Alguns fatores são determinantes no aparecimento desta diferenciação
social quando do repasse a diferentes segmentos sociais do conhecimento
socialmente produzido ou mesmo quando de sua produção, sobretudo
se levarmos em consideração a nova configuração
das relações sociais e produtivas dos dias de hoje. Analisaremos
alguns, os que nos parece mais importantes.
1. A dimensão ideológica do conhecimento
Dois aspectos são importantes para começar pensar o significado
do conhecimento técnico e a dimensão complicativa do seu
repasse a todos os segmentos sociais. O primeiro aspecto diz respeito ao
caráter ideológico da ciência e da técnica.
Neste aspecto, optamos por nos valer da contribuição de Habermas
(1973). Este pensador, na tentativa de recuperar o conceito de racionalidade
a distanciando da simplória lógica instrumental (como, segundo
Habermas, o positivismo clássico a transformou), mostra o lado relativo
e ideológico e a dimensão não neutra do conhecimento
técnico. E Carlos R. Brandão (1984, p. 46) contribui com
a explicação do comprometimento ideológico do conhecimento
ao dizer que o “triunfo atual da ciência levou-a a arrancar a máscara
da neutralidade - empunhada principalmente pelos acadêmicos - e o
disfarce de objetividade com que se pretende impressionar o grande público”
O segundo aspecto a considerar está diretamente associado ao primeiro.
A ciência se desenvolveu, historicamente, conjugada à expansão
das atividades econômicas, e neste caso o progresso técnico
assumiu um caráter ideológico de racionalidade. Assim, o
caráter ideológico do progresso técnico é perfeitamente
percebível ao se associar o conceito de racionalidade à forma
capitalista da atividade econômica, entendendo-a como um conjunto
de procedimentos visando um fim econômico. A partir desta concepção,
a racionalização não apenas consiste na escolha adequada
das tecnologias e demais estratégias para transformação
dos sistemas econômicos, mas a racionalidade significa adotar procedimentos
tecnológicos e metodológicos de dominação.
Dominação em duas principais instâncias: sobre a natureza
e sobre o conjunto das relações sociais. A racionalidade,
através da técnica, subtende controlar o meio natural e o
meio social para extrair destas o máximo possível de lucro.
Na sociedade capitalista o saber técnico é um bem de capital.
O segmento social (grupo ou classe) que dispõe do saber e do instrumental
tecnológico tem poder de dominação e de controle sobre
a natureza e sobre as relações de produção.
Mesmo quando o Estado fomenta o desenvolvimento tecnológico, ele
o faz lançando um processo de competitividade e/ou seletividade
entre os sujeitos sociais e/ou grupos sociais. Isto porque o Estado parte
do pressuposto que os segmentos sociais são homogêneos e impõe
uma homogeneidade como padrão de racionalidade. Por exemplo, a racionalidade
de um camponês é diferente de um técnico agrícola.
Estes dois sujeitos têm acesso ao progresso tecnológico em
condições diferenciadas. A racionalidade do técnico,
evidentemente, aproxima-se mais do padrão homogêneo exigido
pela política de fomente tecnológico.
Nesta dimensão, “o conceito de verdade deixa de ser uma qualidade
fixa, sendo condicionado por uma função de poder que formaliza
e justifica o que é aceitável. E essa aceitação
é condicionada a visões concretas da sociedade política
e seu desenvolvimento” (Brandão, 1984, p. 47).
Neste caso, o controlar e o dominar as relações sociais
de produção e a natureza assume um papel excludente. A lógica
da substituição dos fatores de produção, empregada
pelas teorias da modernização exclui o homem, (e seu trabalho)
seus hábitos culturais e os ciclos naturais. A técnica é
superior e é colocada acima do natural, ela tem poder de dominar
o natural. É nesta lógica em que podemos situar a devastação
do meio natural, uma lógica não de inclusão mas de
dominação e exclusão. No âmbito das relações
de produção a técnica é utilizada como fator
de dominação das relações de produção
e, enquanto tal, na situação progresso tecnológico
ela não absorve as diferenças, mas as exclui.
2. As políticas sociais e o preparo do “sujeito útil”
Em síntese, esta nova configuração que se instaura
no âmbito das relações de produção em
nossos dias, busca diferenciar com maior clareza a questão do trabalho
e a do emprego. A garantia do emprego é substituída pela
competitividade tecnológica adquirida com o acesso ao conhecimento
socialmente produzido. Nesta dimensão, o trabalho continua sendo
o elemento integrador, e não mais o emprego. É exatamente
nesta diferenciação que muitos analistas sociais se perdem
ao afirmar que o trabalho não se constitui mais o elemento integrador
no contexto da sociedade dos anos 90. É a partir desta ótica,
não mais da garantia do emprego, mas do trabalho conquistado no
âmbito da competitividade do mercado, é que atuam as instituições
de repasse a diferentes segmentos sociais do conhecimento socialmente produzido.
Trata-se de instrumentalizar os sujeitos sociais de um “conhecimento útil”,
mas exige-se deles uma homogeneidade afinada a racionalidade instrumental.
As políticas sociais em geral, incluindo as da educação,
tende a obedecer a lógica imposta pelo novo perfil de Estado e sociedade
política dos anos 90. A tendência é que as políticas
públicas atendam as demandas dessa nova configuração
social surgida de segmentos dominantes da sociedade. E nesta dimensão,
a produção do conhecimento e seu repasse aos diferentes segmentos
sociais pode estar condicionado à demanda da nova configuração
das relações sociais de produção dos dias de
hoje.
Um padrão que interessa à ordem constituída,
que, no caso dos anos 90, deve se afinar ao padrão global, universalizante.
As políticas públicas, de conformidade com o entendimento
exposto acima, outorga à instituição estatal o papel
de homogeneização dos sujeitos sociais, tomando-se como parâmetro
o padrão referencial do momento. Entendemos que é nesta dimensão
que se situa o fomento, pelas instituições públicas
do fomento da produção e da socialização do
conhecimento ao diferentes segmentos sociais.
A ordem do poder vigente, nos nossos dias, no Ocidente, é a
do Estado Mínimo, quando, sintomaticamente, a garantia do emprego
não é mais o elemento integrador e mecanismo igualador de
diferenças. Nesse caso, o padrão referencial de igualar as
diferenças passa a ser a competência tecnológica na
perspectiva de continuar incluído no mundo da produção.
Com isso o Estado se exime da responsabilidade pelas diferenças
persistentes e/ou a exclusão, jogando sobre os sujeitos sociais
a culpa de sua não homogeneização e a conseqüente
exclusão. Mais do que o pleno emprego e a redistribuição
fiscal, o Estado tende a assegurar a competitividade e as condições
que a tornam possível, sejam elas inovações tecnológicas,
garantias de flexibilidades do mercado de trabalho e a subordinação
geral da política social à política econômica
(Santos, 1995: 13). Trata-se de uma racionalidade instrumental concorrencial,
para a qual o mercado é o princípio de auto-regulação
da esfera econômica e social.
Atualmente, a sociedade assume como padrão referencial um tipo
específico de racionalidade exigindo que os sujeitos sociais, para
que sejam considerados iguais se apresentem imbuídos desta racionalidade
específica. A universalização de um padrão
tecnológico, de hábitos culturais e de consumo passa a se
constituir em um padrão referencial de racionalidade e de elementos
indispensáveis para a expansão da produção
econômica e a conquista de novos mercados consumidores e de matéria-prima
Essa racionalidade tem um trato todo especial com as desigualdades, não
no sentido de as respeitar como tais, mas na perspectiva da homogeneização
(Boneti, 1988b).
Por mais escamoteada que se apresenta esta nova configuração
social dos nossos dias, não consegue esconder a dimensão
de classe que a sustenta. Neste sentido, a verdadeira compreensão
desta nova configuração social está mesmo na base
da teoria de Marx. Trata-se de uma sociedade de classe cujo movimento continua
sendo as relações de produção, mas o capital
abre espaço para o conhecimento. O conhecimento assume importância
capital e é designado por interesses específicos da ordem
da produção. Neste sentido entendemos que as políticas
sociais do Estado “têm sua gênese e dinâmica determinadas
pelas mudanças ocorridas na organização da produção
e nas relações de poder que impulsionaram a redifinição
das estratégias econômicas e políticos-sociais do Estado
nas sociedades capitalistas no final do século passado” (Neves,
1994, p. 11-12).
A partir deste quadro que se configuram as atuais relações
de produção, sociais e políticas, o repasse do saber
socialmente produzido ao diferentes segmentos sociais, tanto no âmbito
produção quanto na escola, objetiva construir uma homogeneidade
entre os sujeitos sociais no sentido da absorção de um conhecimento
padrão, tanto no nível quantitativo quanto no qualitativo.
Mas a questão maior é que para a construção
dessa homogeneidade, o procedimento metodológico do serviço
público do repasse do saber técnico, tanto na produção
quanto na escola, parte do pressuposto que os sujeitos sociais já
são homogêneos. E é neste sentido que se estabelece
uma diferenciação do que acontece com o processo da inovação
tecnológica na produção e o repasse do saber na escola.
Se na produção a apropriação do saber técnico
exige que os sujeitos sociais tenham uma homogeneidade mínima em
termos de uma racionalidade técnica e instrumental, na escola ampliam-se
as exigências em torno de uma homogeneidade de sujeito social, na
qual as diferenças impeditivas para o processo da absorção
do saber passam por um conjunto mais amplo de racionalidades, fazendo-se
presente fatores mais gerais envolvendo traços culturais, padrão
moral, crenças religiosas, etc.
As políticas públicas de desenvolvimento tecnológico
na produção, assim como o procedimento utilizado na escola
para o repasse do saber socialmente acumulado, objetiva trazer o sujeito
social a uma homogeneidade, mas pressupõe que os sujeitos sociais
são já homogêneos. Neste caso observa-se uma diferença
no estabelecimento de um padrão homogêneo de sujeito social
entre aquele que vai administrar, ele próprio, o meio de produção,
com aquele que está na condição de candidato ao mercado
de trabalho. No primeiro caso, pressupõe-se que os sujeitos sociais
sejam imbuídos de uma racionalidade afinada com a acepção
weberiana, a qual se pode entender, grosso modo, como hábitos, atitudes,
procedimentos e utilização de tecnologias que resultem na
acumulação de capital. Mas o padrão homogêneo
para o mercado de trabalho é mais exigente. Trata-se da busca da
excelência, como diz Goulejac (1994). A exigência da excelência,
como padrão referencial, para os candidatos ao mundo do trabalho
extrapola significativamente a aquisição de hábitos
e atitudes do tipo instrumental, afinada com a acepção weberiana
de racionalidade. Exige-se, além da competência técnica,
um perfil de sujeito social homogêneo de conformidade com parâmetros
culturais, de cor, de aparência, de crença religiosa, etc.
O complicador para este caso, e o que fundamentalmente justifica a
nossa análise, trata-se da relação entre a excelência,
que tem como fundamento um padrão homogêneo de comportamento
e de conhecimento, e as diferenciações sociais de onde tem
origem os sujeitos. A excelência é fundamentada sobre um padrão
homogêneo. Trata-se de uma convenção que institui um
“tipo ideal” de sujeito social dotado de um padrão específico
de conhecimento técnico e de comportamento social afinado com o
paradigma da utilidade. Mas as regras do jogo para a conquista da excelência
são as mesmas da regra do mercado. A busca da excelência se
encontra no mercado competitivo da oferta e da procura do conhecimento
socialmente produzido. A excelência é medida tomando-se como
parâmetro um padrão homogêneo de conhecimento técnico
e de comportamento individual. Pressupõe-se que os sujeitos, oriundos
de diferentes segmentos sociais, defrontam-se no mercado da aquisição
e da venda da excelência de igual para igual.
A desigualdade é uma condição em relação
a um parceiro determinado, ambos imbuídos numa dinâmica comum.
Seria então de pensar que existe uma ordem vigente, uma ordem
legal, econômica, social que se diz representante da racionalidade,
como analisa Touraine (1992) chamada por ele de ordem do poder. Esta ordem
se diz portadora da racionalidade pelo fato de agir de conformidade com
parâmetros convencionais regidos pelos rigores ditos científicos,
como é o caso da técnica. Centrada na idéia da racionalidade
única e universal, para esta ordem, a direrença é
no mínimo indiferente, ou ainda inconveniente. A concepção
do relativismo se contrapõe à ordem vigente por fazer uma
tentativa de reconhecer cientificamente a diferença, não
apenas no âmbito de segmentos sociais mas até mesmo no que
se refere ao método científico. A tentativa da ordem do poder
nunca é a do reconhecimento da diferença como a relativização
da verdade, mas sempre a de considerar o Fora e procurar integrá-la
Dentro. O fator tecnológico é um importante elemento utilizado
como referência, pela ordem do poder, para medir a racionalidade
e medir o Fora e o Dentro. O conhecimento tecnologico, originado nos meandros
da ciência convencional, também funciona como instrumento
para tornar iguais os diferentes.
Em síntese, o modo de o Estado tratar as diferenças,
não as considerando como tais, mas no sentido de as homogeneizar
a partir de um padrão referencial do momento, pode excluir de vez
os sujeitos sociais do contexto social constituído, como é
o caso do direito à participação na esfera produtiva
e dos direitos sociais básicos, como é o caso da escola.
Como denominar as pessoas que não conseguiram acompanhar a escola
pelo fato de não se enquadrarem no perfil homogêneo por ela
exigido ou por não alcançar ao padrão homogêneo
exigido de absorção do conhecimento? Como denominar o trabalhador
que perdeu o seu emprego porque não tinha o conhecimento técnico
exigido pelo mercado de trabalho? Como denominar o camponês que teve
que abandonar o seu meio tradicional e autônomo de sobrevivência
porque não absorveu os conhecimentos técnicos de produção
exigidos pelo mercado? Trata-se de pessoas excluídas?
Conclusão
O conhecimento tecnológico se constituiu sempre, durante todas
as fases históricas da sociedade humana, de um importante fator
de inserção social, quer seja através da produção
ou na dinâmica da sua própria elaboração. A
diferença com o momento atual, é que a nova configuração
social criada pela organização produtiva e a aceleração
da mutação tecnológica, faz com que o conhecimento
tecnológico tenha uma durabilidade limitada, determinando, como
conseqüência, a uma inevitável desqualificação
dos sujeitos sociais. Por outro lado, a organização política,
o Estado, acompanhando as transformações implementadas na
organização produtiva, toma também uma outra feição.
Mais do que o pleno emprego e a redistribuição fiscal, o
Estado tende a assegurar a competitividade e as condições
que a tornam possível, sejam elas inovações tecnológicas,
garantias de flexibilidades do mercado de trabalho e a subordinação
geral da política social à política econômica.
Neste caso, a reciclagem do conhecimento socialmente produzido toma uma
importância ainda maior, uma vez que o pleno emprego não mais
é garantido pelo Estado, mas através da competência
técnica. Neste ponto, finalmente, chegamos na questão que
procuramos responder ao longo deste artigo. A nossa questão não
foi a de se perguntar se as instituições de repasse do conhecimento
socialmente produzido, quer seja na escola ou na produção,
assim ou fazem. A questão que procuramos responder é como
fazem e o resultado do como fazer.
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